O mercado de fusões e aquisições vem se aquecendo progressivamente ao longo dos últimos anos. Nesse contexto de evidência das operações de M&A, tem-se dado muita atenção ao porte dos negócios e aos valores investidos, mas pouco se diz sobre o processo que antecede (e sucede) a conclusão de um deal. Nesse post, portanto, nosso objetivo é auxiliar na sua compreensão de todas as etapas do processo de M&A, desde a decisão em adentrar em uma operação até o pós-fechamento do negócio.
Já publicamos aqui no blog sobre o aquecimento progressivo do mercado de fusões e aquisições ao longo dos últimos anos. Enquanto vários setores da economia têm atravessado períodos de crises sucessivas com poucos momentos de fôlego, o mercado de M&A se fortalece.
No Brasil, os impactos da Operação Lava Jato com o desfazimento de ativos de grandes conglomerados, a queda das taxas de juros e a perspectiva de crescimento do PIB geraram muitas oportunidades de negócios.
Nesse contexto de evidência das operações de M&A (seja por meio de compra e venda de participações societárias ou fusão) muito se fala sobre valores investidos, mas pouco se diz sobre o processo que antecede (e sucede) a conclusão de um deal.
Esse processo é complexo, composto de inúmeras etapas coordenadas e indispensáveis à conclusão do negócio. Cada uma dessas etapas desempenha função fundamental e determinante no sucesso (ou insucesso) de uma operação.
Como falamos aqui, o M&A pode ter início pelo comprador que quer se expandir, reduzir a concorrência, diversificar o investimento, aumentar o market share, ou pelo vendedor que busca liquidez, crescimento, financiamento da operação, dentre outros. Embora os motivos sejam diferentes, o processo em si, suas etapas e instrumentos contratuais não diferem muito. Para simplificar, aqui vamos falar do ponto de vista do comprador estratégico.
Principais etapas do processo de M&A
Prospecção e plano de aquisição
Diz-se que é mais fácil comprar um negócio pronto do que construir o seu próprio negócio. Assim tem início uma das etapas do processo de M&A, muito antes da celebração dos acordos principais: com a decisão do comprador de fazer o investimento.
A partir da decisão de investir, o comprador dá início a um processo de prospecção, que pode ser conduzido internamente, a partir de networking e contatos estratégicos, ou com a ajuda de um consultor externo.
Durante o processo de tomada de decisão, o comprador ideal atua com ajuda de uma equipe interna, com representantes da área de finanças, vendas, marketing, planejamento estratégico e operacional, e consultores externos, como advogados, contadores, investidores e advisors, que atuam em conjunto na definição do perfil do target e no desenvolvimento de um plano de aquisição.
Para que a aquisição seja bem-sucedida e a operação aumente o valor da empresa, a escolha do target requer foco, planejamento e comunicação entre os membros envolvidos no processo.
O processo de aproximação de uma empresa que não está à venda, principalmente quando a aproximação é feita através de funcionários, é um movimento muito delicado e que exige cautela.
Se o vendedor reagir mal à aproximação, pode ser que o “processo” de M&A termine por aí, e o comprador passe à prospecção de outro target.
Mas se comprador e vendedor se comprometem com a ideia de realizar a operação ou, pelo menos, de estudar a viabilidade da operação mais a fundo, é o momento de elaboração do primeiro documento escrito no processo de M&A: a Carta de Intenções (Letter of Intent – LOI, Memorandum of Understandings – MOU).
Carta de Intenções
Idealmente, nesse momento comprador e vendedor têm desenvolvidas suas estratégias de condução da operação e estudados os impactos da operação sobre seus respectivos negócios.
A Carta de Intenções, muitas vezes referida como um contrato preliminar, contém um mapa geral da operação, desenhado por disposições vinculantes e não vinculantes.
Esse documento preliminar não é obrigatório, mas está presente na grande maioria das negociações, porque traz conforto às partes, que se sentem mais seguras em dispender tempo e dinheiro com um documento escrito e assinado em mãos.
Dentre as vantagens da Carta de Intenções, destacam-se as seguintes, dentre outras:
- Testar a seriedade das partes quanto à intenção de negociar;
- Estabelecer quais são os termos chaves para o acordo final;
- Identificar quais as questões mais sensíveis para cada uma das partes e, a partir daí, identificar os prováveis pontos de atrito;
- Antecipar desafios para o fechamento;
- Desencorajar que o vendedor saia oferecendo seu negócio à venda para outros compradores.
Por outro lado, uma possível desvantagem é que embora a Carta de Intenções não seja um documento vinculante quanto ao negócio principal e deixe portas abertas para que as partes optem por não celebrar o acordo definitivo, em alguns casos a interpretação dos tribunais contraria a intenção das partes.
Esse risco, no entanto, é afastado quando a vontade das partes é prevista de forma expressa, clara e objetiva.
Com a assinatura da Carta de Intenções, inicia-se a segunda etapa da fase pré-negocial e que se estende até o momento de elaboração dos contratos principais: a Due Diligence.
Due Diligence
A due diligence é uma etapa, mas também é um processo por si só, que requer sobretudo criatividade e planejamento estratégico.
Essa etapa envolve um mergulho na história, missões, valores, cultura e bens intangíveis da empresa, além de uma revisão formal jurídica, contábil, operacional e estrutural de todos os contratos, relacionamentos e demais documentos corporativos.
O principal objetivo é confirmar se as expectativas das partes (principalmente do comprador) são reais e mitigar o risco de que a falta de investigação permita a conclusão de um deal que diminua o valor do comprador, ao invés de aumentá-lo.
Ninguém planeja fazer um mau negócio, mas muitos empresários extremamente experientes entram em operações de fusão ou aquisição das quais posteriormente se arrependem.
A grande maioria dos erros clássicos de uma operação podem ser evitados pela due diligence conduzida por profissionais sérios, especialistas e capacitados.
Contratos
Com a due diligence, a equipe jurídica do comprador tem informações mais precisas para a definição da estrutura da operação que melhor se encaixe ao momento das empresas e que melhor atenda às expectativas que as partes têm do negócio.
Paralelamente à due diligence, a equipe contábil e de advisors trabalha no valuation da empresa-alvo, umas das etapas do processo de M&A que define o valor da transação.
O preço é o ponto central de toda a negociação e a principal preocupação do comprador e vendedor, por isso muitas negociações se interrompem antes mesmo do início da fase negocial propriamente dita.
Encerrada a Due Diligence e o Valuation e negociados o preço e termos preliminares, a equipe jurídica se prepara para estruturar o Acordo Principal e Definitivo, documento principal de toda a operação de M&A.
O Acordo Principal contempla toda a estrutura do negócio em si. Trata do passado do vendedor, das condições atuais do negócio, antecipação de fatos futuros, natureza e escopo das representações e garantias, do vendedor, indenizações do comprador por quebra das representações e garantias, condições precedentes ao fechamento, pagamento, causas de inadimplemento contratual, obrigações pós-fechamento, dentre outros.
A assinatura do Acordo Principal também desencadeia uma série de instrumentos acessórios para a cessão de contratos com fornecedores, cessão de contratos de emprego, regulamentação do relacionamento dos sócios (acordos de acionistas), dentre outros.
Essa é a fase mais sensível, complexa e desgastante do processo. As partes participam diretamente das negociações e trabalham em conjunto com suas equipes jurídicas e contábeis por longos meses.
A pressa no fechamento do cronograma é responsável por um grande número de no deal ou operações ruins, por isso é muito importante que as partes tenham ciência de que a etapa de negociações é longa e muitas vezes demorada, mas diretamente responsável pelo sucesso da operação.
A etapa contratual propriamente dita se encerra com o signing, a assinatura do Acordo Principal.
Pós-fechamento
Em muitos casos, depois da assinatura do Acordo Principal, as partes têm um período para cumprir algumas condições prévias ao fechamento, realizar o pagamento, transferir a titularidade dos bens, dentre outros.
Quando todas as pendências se resolvem, com a renúncia dos administradores, reorganização societária e pagamento do preço, há o Closing (Fechamento), que encerra o processo formal da operação de M&A e marca o início de uma nossa fase: a pós-negocial (Post Closing).
Um dos maiores erros em uma operação de M&A é menosprezar os desafios da fase pós-negocial, que surgem da união de duas empresas diferentes, com histórias, missões, valores, culturas, recursos humanos e gestões diferentes. Essa fase é tão importante quanto quaisquer outras etapas do processo de M&A.
O resultado esperado em um processo de M&A é que 1+1 seja igual a 3, ou seja, que o resultado da operação seja maior do que as somas das empresas individualmente, e esse momento é fundamental para garantir que esse resultado se cumpra.
A criação de valor pós-fechamento requer muita estratégia e atenção às áreas vitais das duas companhias.
Estudos norte-americanos revelam que pelo menos 3 em cada 5 operações de M&A tem um plano pós-fechamento ineficaz. Essa ineficácia impede o comprador de receber o valor real da transação, seja porque as sinergias foram superestimadas, seja por excesso de tempo e recursos destinados à solução de problemas internos, por divergências culturais insuperáveis, ou até por ter subestimado a resistência dos acionistas com relação à operação.
Um dos maiores exemplos de fracasso atribuído a falhas no pós-fechamento é o caso da fusão da DaimlerChrysler.
A alemã Daimler-Benz e a Americana Chrysler se fundiram em 1998, em uma transação de $36 bilhões e se dissolveram nove anos depois, por $7.4 bilhões.
Embora o então CEO da DaimlerChrysler atribua o fracasso a uma superestimativa das sinergias resultantes da fusão, o mercado aponta como erro principal a falta de antecipação das diferenças culturais entre as empresas, que se mostraram inconciliáveis.
As partes se fundiram com o único propósito de empire building, mas não consideraram os efeitos da união de duas empresas de países, idiomas, culturas e estilos de gestão diferentes, que não tinham sinergia nenhuma.
Por isso, tão importante quanto o estudo prévio de toda a operação durante a fase de elaboração do plano de negócios e estruturação da operação é o acompanhamento pós-fechamento, para garantir o comprometimento das empresas (acionistas e, principalmente, funcionários) em se tornarem uma só.
Um breve resumo das etapas do processo de M&A
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Advogada Associada no Marques Filho Advogados. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Realizou cursos de pós-graduação em Fusões e Aquisições pelo INSPER e de Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mestre em Business Law na University of California at Los Angeles (UCLA).