
Nos jogos de bilhar, o termo sandbagging é usado quando um jogador finge jogar pior para enganar seus oponentes e induzi-los a aumentarem as apostas. Quando as apostas sobem, o jogador se revela muito melhor e com vantagem para vencer.
Em corridas de carro, chamam-se sandbags aqueles competidores que se mantêm médios ao longo de todo o percurso e arrancam logo antes da chegada, ultrapassando todos e vencendo a competição.
Nos contratos de M&A, a inclusão da cláusula sandbagging (ou pro-sandbagging) permite que o comprador seja indenizado por perdas resultantes de erros, inconsistências e inexatidões nas representações e garantias prestadas pelo vendedor, mesmo quando o comprador já tinha conhecimento das falhas antes do fechamento do deal.
O comprador “engana” o vendedor, fazendo-o acreditar que está fechando o negócio crente da veracidade das representações e garantias e, em seguida, atinge-o com um sandbag, uma demanda judicial reclamando indenização pela falsidade das informações.
Já vimos aqui no blog que é por meio das representações e garantias que o vendedor apresenta ao comprador uma série de declarações sobre o negócio, informações sobre as quais o comprador se baseia para entender melhor o funcionamento da empresa como um todo e estimar seus riscos e contingências.
Erros, inconsistências e inexatidões nas declarações do vendedor garantem ao comprador indenização por eventuais perdas daí decorrentes.
Afinal, se o comprador se baseia nas informações prestadas pelo vendedor para tomar sua decisão quanto à aquisição de uma empresa e quanto aos detalhes da transação, é justo que ele seja indenizado se tais informações (que o influenciaram na tomada de decisão) se revelarem falsas, certo?
Os princípios básicos do Direito dos Contratos, a praxe das negociações comerciais e até mesmo o bom senso nos leva a pensar que sim.
Mas e se o comprador não desconhecia a falha nas representações e garantias prestadas pelo vendedor?
E se antes do fechamento, durante a due diligence ou em qualquer momento anterior, o comprador tomou conhecimento do erro nas declarações, mas se absteve em aponta-lo e consumou a transação? O vendedor pode ser condenado a indenizá-lo?
São essas situações que as cláusulas pro-sandbagging buscam regulamentar.
Durante a fase de due diligence, o comprador tem acesso praticamente ilimitado a todas as informações do vendedor. Números, estatísticas, percentuais, contratos, livros, matrículas, dívidas, tudo quanto entender relevante para o processo de aquisição.
No ambiente das transações de M&A, diz-se que o resultado de uma boa due diligence é que o comprador passa a ter mais conhecimento do negócio do que o próprio vendedor.
Exageros à parte, é muito provável que o comprador tenha acesso a informações que o permitam constatar erros, inexatidões e inconsistências nas representações e garantias prestadas pelo vendedor, que o próprio vendedor desconheça.
E o que o comprador faz com essa informação em mãos? Aponta a falha e educadamente pede que o vendedor corrija a inconsistência e adeque o papel à realidade?
Na prática e em meio a um jogo de interesses de opostos como os do vendedor e comprador numa operação de venda isso dificilmente aconteceria.
Sabendo desde antes do fechamento que existe(m) falha(s) nas representações e garantias, o comprador poderá demandar judicialmente o vendedor após o fechamento, buscando indenização pela quebra de contrato, dependendo da previsão, ou não, da cláusula pro-sandbagging.
A cláusula, notadamente pró-comprador, garante indenização à parte lesada por inexatidões encontradas nas representações e garantias, mesmo que a parte que busca a indenização tenha conhecimento da falha antes do fechamento do negócio.
Do ponto de vista do comprador, a inclusão da cláusula pro-sandbagging se justifica pelo fato de que ele (comprador) deve sentir se confortável e deve ser capaz de confiar nas representações feitas pelo vendedor, independentemente da investigação conduzida durante a due diligence.
O comprador está negociando com base na exatidão das informações e a confiança depositada nas declarações tem reflexo no preço e em outros detalhes da transação.
Enquanto alguns tribunais não só respeitam a cláusula como aplicam-na no silêncio do contrato, outros entendem que nesses casos falta ao comprador um elemento essencial ao direito à indenização.
Essa parte da jurisprudência entende que o elemento intrínseco do direito à indenização seria a confiança depositada pela parte lesada na veracidade daquela informação e, nesse ponto, faltaria ao comprador supostamente lesado a confiança depositada na representação, porque ela sabia de antemão que as representações e garantias não refletiam a realidade.