
No início de março/2020, foi publicado o acórdão proferido pela Primeira Turma do STJ no agravo interno em recurso especial nº 1.570.980, reconhecendo a limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais cobradas sobre a folha de salários a 20 salários mínimos, nos termos do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 6.950/81, ainda vigente apesar de sucessivas alterações legislativas.
Diante das inúmeras dúvidas que surgiram em torno do julgamento e da referida decisão, o Marques Filho Advogados respondeu as principais dúvidas sobre o tema e o comportamento do contribuinte perante o Fisco Federal.
1. O que é e qual o fundamento legal da limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais cobradas sobre a folha de salários?
Conforme demonstrado no artigo “LIMITAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS COBRADAS SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS PARA, NO MÁXIMO, 20 SALÁRIOS MÍNIMOS”, o art. 14 da Lei nº 5.890/73 consolidou a cobrança das contribuições parafiscais incidentes sobre a folha de salários, outorgando-lhes a mesma forma, prazos, condições, sanções e privilégios da contribuição previdenciária patronal. Além disso, o artigo expressamente restringiu a base de cálculo dessas contribuições, vedando o cálculo “sobre importância que exceda de 10 (dez) vezes o salário-mínimo mensal de maior valor vigente no País”.
Posteriormente, o art. 4º da Lei nº 6.950/81, para fins de cálculo da contribuição previdenciária do segurado, limitou a base de cálculo para “20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”, sendo que o parágrafo único determinou expressamente que referido limite também “aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”.
Por fim, foi editado o Decreto-lei nº 2.318/86, cujo art. 3º dispõe que a limitação prevista no caput do art. 4º da Lei nº 6.950/81 é aplicável ao cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, não fazendo qualquer referência ao parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81, voltado às contribuições parafiscais.
Como o art. 3º do Decreto-lei nº 2.318/86 não fez nenhuma referência à base de cálculo das contribuições parafiscais fixada pelo parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81, a limitação continua em vigência.
2. O que são contribuições parafiscais e quais são elas?
Via de regra, determinado tributo é instituído pelo Ente Federativo (União, Estados Municípios e Distrito Federal) que detém competência para tanto, com o produto da arrecadação voltando-se para o seu próprio financiamento, consoante a espécie instituída. Na parafiscalidade, todavia, o beneficiário do produto da arrecadação é desconectado do Ente Federativo competente para a criação do tributo, que já é instituído em favor de um terceiro.
Assim, contribuição parafiscal é uma contribuição cuja competência tributária é da União, mas o seu produto da arrecadação é destinado a terceiros legalmente definidos.
No caso em análise revestem dessa qualidade as contribuições ao Sistema S (SESI, SENAI, SESC, SENAC, SEST, SENAT, SENAR, SESCOOP e SEBRAE), ao salário-educação, gerido pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação – FNDE, ao INCRA, bem como outras aplicáveis em relação a atividades econômicas específicas, tais como à Divisão de Portos e Canais, ao Fundo Aeroviário e etc.
A contribuição ao RAT/SAT não se enquadra nessa categoria, à medida que é destinada e gerida pela própria União, por meio da Previdência Social.
3. Qual é o entendimento do Poder Judiciário acerca dessa tese?
Desde 2008, os Ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido, por meio de decisões monocráticas transitadas em julgado, a atual vigência do parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81, ou seja, da limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais cobradas sobre a folha de salários.
A decisão no AgInt no REsp nº 1.570.980/SP foi a primeira proferida pelo órgão colegiado.
Todavia, considerando tratar-se de uma única decisão colegiada, não submetida ao regime dos recursos repetitivos e proferida por uma das Turmas do STJ, não há como se afirmar, no momento, que o entendimento está consolidado perante o Tribunal.
4. A decisão do Superior Tribunal de Justiça proferida no AgInt no REsp nº 1.570.980/SP é definitiva?
Ainda não. O SESI e o SENAI, na condição de terceiros prejudicados, opuseram embargos de declaração suscitando que o acórdão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça não poderia abranger as contribuições que lhe são destinadas, à medida que não constaram do pedido inicial.
Entretanto, ainda que este pleito seja acatado, os fundamentos da tese são perfeitamente aplicáveis a estes Serviços, dada a natureza das contribuições que lhe são destinadas. Os embargos de declaração do SESI/SENAI não têm o condão de alterar o conteúdo do julgamento.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ainda pode ingressar também com embargos de declaração.
5. Os contribuintes já estão autorizados a reduzir e limitar a base de cálculo das contribuições parafiscais cobradas sobre a folha de salários, ou seja, recolher mensalmente as contribuições em valor reduzido?
Não. O recurso especial nº 1.570.980/SP não foi afetado ao regime processual de recursos repetitivos, ou seja, a decisão ali proferida vale única e exclusivamente para as partes do processo.
6. Quais serão as consequências caso o contribuinte, neste momento, deixe de recolher as contribuições parafiscais sobre o valor total da folha de salários, aplicando a base de cálculo reduzida e limitada a 20 salários mínimos?
Considerando que a decisão do AgInt no REsp nº 1.570.980/SP não possui efeitos gerais, mas somente entre as partes do processo, não há qualquer vinculação da Receita Federal do Brasil ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, podendo constituir e exigir créditos tributários das contribuições parafiscais sobre o valor total da folha de salários, inclusive com aplicação de multas (75% no caso de lavratura de auto de infração) e juros.
A Receita Federal somente estará vinculada a partir do momento que a interpretação do Superior Tribunal de Justiça for veiculada em recurso afetado ao regime dos recursos repetitivos, com o trânsito em julgado do acórdão correspondente.
7. A limitação de 20 salários mínimos diz respeito à folha de salários ou ao salário específico de cada um dos segurados empregados/avulsos e contribuintes individuais?
A legislação, ao dispor acerca da limitação da base de cálculo, o faz de forma inespecífica, sem impor qualquer restrição ou condicionante. Isso significa que a delimitação deve seguir as características do tributo.
A contribuição do segurado tem por base o salário-de-contribuição do trabalhador, baseado em sua remuneração. Logo, a limitação da base de cálculo é dirigida para cada um desses contribuintes.
Por outro lado, as contribuições parafiscais devidas pela empresa incidem sobre a folha de salários, que é formada pela somatória de todas as remunerações individuais pagas ou creditadas. Em sendo um todo único e indissociável, é sobre essa grandeza que deve incidir a limitação legal. Assim, a limitação de 20 salários mínimos diz respeito à própria folha de salários.
8. A ação judicial me garante reaver os valores pagos indevidamente?
Sim, é possível pleitear na ação a devolução dos valores pagos indevidamente nos 60 meses que a antecederam.
Essa devolução pode se dar sob a forma de devolução em dinheiro via precatório ou mediante compensação com as próprias contribuições parafiscais ou com contribuições e demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (estes últimos em relação a período posterior à implantação do eSocial).